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Vende-se tudo 11 janeiro, 2009

Posted by Mônica Góes in Textos.
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Martha Medeiros

No mural do colégio da minha filha encontrei um cartaz escrito por uma mãe, avisando que estava vendendo tudo o que ela tinha em casa, pois a família voltaria a morar nos Estados Unidos.
O cartaz dava o endereço do bazar e o horário de atendimento. Uma outra mãe, ao meu lado, comentou:
– Que coisa triste ter que vender tudo que se tem.
– Não é não, respondi, já passei por isso e é uma lição de vida. Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil, trouxe comigo apenas umas poucas gravuras, uns livros e uns tapetes. O resto vendi tudo, e por tudo entenda-se: fogão, camas, louça, liquidificador, sala de jantar, aparelho de som, tudo o que compõe uma casa.
Como eu não conhecia muita gente na cidade, meu marido anunciou o bazar no seu local de trabalho e esperamos sentados que alguém aparecesse. Sentados no chão. O sofá foi o primeiro que se foi. Às vezes o interfone tocava às 11 da noite e era alguém que tinha ouvido comentar que ali estava se vendendo uma estante. Eu convidava pra subir e em dez minutos negociávamos um belo desconto. Além disso, eu sempre dava um abridor de vinho ou um saleiro de brinde, e lá se iam meus móveis e minhas bugigangas. Um troço maluco: estranhos entravam na minha casa e desfalcavam o meu lar, que a cada dia ficava mais nu, mais sem alma .
No penúltimo dia, ficamos só com o colchão no chão, a geladeira e a tevê. No último, só com o colchão, que o zelador comprou e, compreensivo, topou esperar a gente ir embora antes de buscar. Ganhou de brinde os travesseiros. Guardo esses últimos dias no Chile como o momento da minha vida em que aprendi a irrelevância de quase tudo o que é material. Nunca mais me apeguei a nada que não tivesse valor afetivo. Deixei de lado o zelo excessivo por coisas que foram feitas apenas para se usar, e não para se amar.
Hoje me desfaço com facilidade de objetos, enquanto que torna-se cada vez mais difícil me afastar de pessoas que são ou foram importantes, não importa o tempo que estiveram presentes na minha vida. Desejo para essa mulher que está vendendo suas coisas para voltar aos Estados Unidos a mesma emoção que tive na minha última noite no Chile .
Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha, que na época tinha 2 anos de idade. As roupas já estavam guardadas nas malas. Fazia muito frio.
Ao acordarmos, uma vizinha simpática nos ofereceu o café da manhã, já que não tínhamos nem uma xícara em casa.
Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido, levando as emoções todas: nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde.
Não pagamos excesso de bagagem e chegamos aqui com outro tipo de leveza.
…e se só possuímos na vida o que dela pudermos levar ao partir, é melhor refletir e começar a trabalhar o DESAPEGO JÁ!
“Sempre acabaremos chegando aonde nos esperam” -Saramago –

Comentários»

1. Roberto - 17 janeiro, 2009

que belo texto! Namaskar.

Saramago e seu jeitinho de falar tudo no pouco que diz.

2. Ezequiel Alves Ferreira da Silva - 23 janeiro, 2009

Bom Dia Mônica, bom descobri sua pagina por uma maravilhosa conscidencia, é umda dessas coisas que acontecessem na vida da gente e não tem ou melhor não precisam de explicações.Por isso tomei a lberdade me comentar o texto “Vender Tudo”, e posso afirmar vc que a história realmente me tocou profundamente.
Por isso parab´nes por sua pagina e esteja crta que serei um leitor apartir de hoje assiduo dela.
Óbrigado,

até mais,

Ezequiel Alves.

Mônica Góes - 24 janeiro, 2009

Olá Ezequiel!

Obrigada pela visita e será muito bem vinda a constância!

Quanto ao texto, uma pena que apesar de profundo e enriquecedor, nem sempre consigamos o exercer nas nossas vidas diárias. Desapego é uma coisa muito, muito difícil de se aplicar. E quando falamos em desapego, costumamos associar diretamente às coisas materiais, esquecendo que existe o apego ás situações também, sejam elas boas ou ruins. Ao emprego, às pessoas, aos parceiros, até mesmo a uma doença.

Mas é uma reflexão loooonga e prolixa! 😀

Volte sempre! E espero que goste dos meus estados de espírito… todos eles! 🙂


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